As duras cicatrizes

Tenho algumas cicatrizes pelo corpo que não me deixam esquecer o porquê existem. Uma no queixo por acidente de bicicleta; uma pouco depois do pulso quando quis descontar meu estresse no vidro da janela; uma na perna de uma queda que até de lembrar dói; uma na parte de trás da coxa de quando estava indo para a pré-escola e misteriosamente fui atingida por uma bala de borracha... Essas são algumas das cicatrizes que carrego no corpo e que me remetem à lembranças. Agora vamos às cicatrizes da alma (risos), são inúmeras, vou poupar você da descrição de cada uma delas, mas assim como no corpo, eu me recordo de cada uma, de cada porquê e do tamanho. Talvez a minha memória de elefante seja a responsável pela difícil cicatrização, mas é impressionante como por maiores que sejam, as feridas cicatrizam.

Um dia esquecemos e elas simplesmente cicatrizam...

Quando me lembro das cicatrizes que carrego na pele, logo recordo da dor e da aparência antes da cicatrização. Os ferimentos superficiais que ardiam ao contato com água e sabão, os ferimentos mais profundos que precisaram de pontos para que a pele se recuperasse... E quanto às cicatrizes da alma? Também eram feridas dolorosas que sangravam de maneira que me fazia duvidar da cicatrização, em alguns momentos essas úlceras infeccionaram por lembranças, por palavras, por pessimismo, mas de alguma forma que chamo de milagre essas feridas se fecharam.

E como uma ferida é curada? De repente você acorda em um dia qualquer e estranhamente seu cérebro não procura imediatamente aquela lembrança que te feria, aí você diz para si mesmo, sem que possa sequer se dar conta que está dizendo algo a si mesmo: “Eu não lembrei e não doeu tanto quanto ontem”. Mas é maluco porque até ontem doía tanto e hoje estranhamente as coisas parecem diferentes.

De repente seu coração pede uma música e você então coloca a tal canção e sem perceber está cantarolando ou quem sabe até dançando, e por fim, termina rindo de si mesmo, e aquela lembrança, aquela ferida... Parece que algo está diferente.

Você abre seu guarda-roupa e percebe que tem uma roupa colorida que lhe traz uma esperança de dias melhores e não hesita, é com essa roupa que você se sente disposto a enfrentar o mundo... Enfrentar? Talvez a palavra seja desvendar o mundo.

Seu paladar pede aquela comida apetitosa e não é que o sabor está incrivelmente mais gostoso do que era antes?

Aí a vida que sempre segue te mostra em algum momento que aquela ferida que te assombrava se transformou em cicatriz, cicatriz que não te fará esquecer a dor, mas que te fará perceber o quão se está próximo dos milagres. Qual milagre? O milagre de sonhar.

Se os tombos surgem, os sonhos prosseguem; se as decepções lhe alcançam, os sonhos persistem; se as chances se esgotaram, os sonhos continuam e se os sonhos morrem, você começa a sonhar novos sonhos e bem maiores.

Cicatrizes... Marcas que ficam depois da ferida, que já foi exposta e hoje é uma lembrança de algo que foi vencido sem que sequer houvesse sinal de esperança. É isso mesmo, feridas são curadas muitas vezes sem esperança, são curadas sem remédio, sem respostas, sem horizonte.

Cicatrizes... Tenho muitas, nunca vi como as feridas finalmente sumiram, porque depois de um tempo entendi que precisava olhar para frente e não havia tempo para esperar a cicatrização.

Alma... A cicatriz que torna a vida: Vida.

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